No século XX, a ideologia de se construir uma vila operária se tornou uma ambição tanto para a classe elitista e o governo quanto para os operários, os quais desejavam ter uma habitação. Quem assume a tarefa de promover esse estilo de residência foram os industriais como forma de controlar suas fábricas e seus trabalhadores sem declarar impostos ao governo devido a lei municipal no. 413, criada em 1901 (MORANGUEIRA, 2006, p. 62).
Diversas vilas foram construídas no Estado de São Paulo e dentre elas destaca-se a Vila Maria Zélia, que é o objeto de estudo desse trabalho. A vila se instalou na região do Belém (bairro Belenzinho), junto a Companhia Nacional de Tecidos de Jutas, uma fábrica de tecelagem que produzia principalmente sacas necessárias para a economia cafeeira (FRANGELLO, ALMEIDA, 2018, p. 16).

Localização do bairro do Belenzinho, na capital de São Paulo, baseado no mapa de 1895 da prefeitura de São Paulo. Fonte: Prefeitura de São Paulo.

Localização da Vila Maria Zélia, no bairro do Belenzinho, baseado no mapa de 1916, da prefeitura de São Paulo. Fonte: Prefeitura de São Paulo.
O bairro do Belém localizava-se na região periférica da cidade, onde as terras eram mais baratas e recebiam um incentivo maior com transporte público. O fundador da vila foi o industrial Jorge Street, o qual comprou um terreno que se estendia pela Avenida Celso Garcia até as margens do rio Tietê. Atualmente, seu acesso é pela Rua dos Prazeres, entre a Rua Catumbi e Avenida Celso Garcia.

Mapa das principais vias atuais que delimitam a Vila
O industrial Jorge Street, que também foi médico, cursou humanidades na Alemanha sobre questões higienistas e a nova forma de se morar (MORANGUEIRA, 2006, p. 46). Por essas ideologias, Street se tornou o “pai” dos seus operários, impondo uma ideologia que transformava a todos numa “grande família” para manter um ótimo desempenho e seguir com uma arquitetura de vigilância (OLIVEIRA, 2008, p. 58).
Em uma “vila-cidadela” deveriam estar presentes equipamentos voltados aos seus moradores, como instalações educacionais e recreativos. Também tem como característica o entorno murado com acesso apenas por um portão, como forma de assegurar a circulação dos trabalhadores para fora da vila. No caso da Vila Maria Zélia não havia um muro “aos fundos” da vila, pois era onde se encontrava o rio Tietê, o qual era aproveitado como espaço de lazer pelos moradores (REVISTA CPC, 2017, p. 299). As figuras, a seguir, fazem parte dos acervos pessoais de Haydée Marciano e Nagib retirados do livro 100 anos Vila Maria Zélia:

Rio Tietê em foto do acervo pessoal de Haydée Marciano. Fonte: Livro 100 anos da Vila Maria Zélia - Autores: FRANGELLO, e ALMEIDA

Vila Maria Zélia, ao fundo, registrada no acervo pessoal de Nagib. Fonte: Livro 100 anos da Vila Maria Zélia - Autores: FRANGELLO e ALMEIDA
A vila começou a ser construída em 1911 e a sua inauguração ocorreu em maio de 1917, mas de acordo com Morangueira (2006, p. 78), ela foi entregue em etapas. Inicialmente foram entregues 200 habitações com seis diferentes tipologias para abrigar 2.100 funcionários que trabalhavam na fábrica. Em 1918, foram entregues as escolas de meninos e meninas; em 1919 a creche, o jardim de infância, a capela e os armazéns e, apenas em 1922, a vila estava completa com todos os equipamentos construídos.
Durante o desenvolvimento do projeto, Pedraurrieux considerou a questão da inundação do rio Tietê. Diante disso, a solução adotada foi a construção da vila na cota superior, ficando as casas na parte mais elevada.
A vila contava também com outras instalações, segundo depoimento do morador Edélcio Pereira Pinto e a revista Centro de Preservação Cultural (2017, p. 299): uma boutique; alojamentos de operários solteiros; padaria; quitanda; serviços de saúde e odontologia; restaurante; fábrica de sapatos e chapéus; barbeiro; salão de festas para eventos como bailes e casamentos; açougue; teatro; campo de futebol; coretos e praças.
A vila recebeu o nome de “Maria Zélia” em homenagem a uma das filhas de Street, que morreu vítima de tuberculose em 1915 (REVISTA CPC, 2017, p. 298).
Para entender melhor a estruturação da vila, foram separados tópicos com as diferentes funções e arquiteturas que incorporam a vila.

Zélia e Jorge Street, em 1897. Fonte: Livro 100 anos da Vila Maria Zélia - Autores: FRANGELLO e ALMEIDA
De acordo com Oliveira (2008, p. 60) essa arquitetura de vigilância controlava até a vida privada dos trabalhadores, no interior das residências, por meio de normas que, caso não cumpridas, podiam ocasionar punições como multas e, até mesmo, a perda da moradia.
O projeto da vila foi realizado por um arquiteto francês, Paul Pedraurrieux, o qual se inspira nas vilas operárias de Saltaire, na Inglaterra, e da Fábrica Boa Viagem ou Companhia Industrial do Norte na Bahia. Tanto nessas vilas, como na Maria Zélia, foram empregados os padrões da tipologia conhecida como “vila-cidadela” (FRANGELLO, ALMEIDA, 2018, p. 16-17).
